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Esporte sem exclusão

A meta  do esporte na escola não é vencer a  competição; seu papel é promover a participação de todos no jogo
fonte: tes.com
  " Vários estudos abordam a relação Educação Física/Esporte e reafirmam a contribuição da atividade esportiva na socialização das crianças, aporte esse que tem sido utilizado como justificativa para a manutenção desta disciplina nos currículos escolares, pois, entendem que a criança através do esporte aprende que entre ela e o mundo existem os outros, que para a convivência social precisamos observar algumas regras, ter determinado comportamento; aprendem as crianças, também, a conviver com vitórias e derrotas, aprendem a vencer através do esforço pessoal; desenvolvem através do esporte a autonomia e a confiança em si mesmas, além do sentido de responsabilidade, entre outras questões. " Esse é um trecho do artigo O Esporte como papel educativo e social. Os autores são Nivaldo de Souza Barreto, graduado em Educação Física e mestre em Ciências do Movimento pela Universidade Estadual do Centro-Oeste e Deoclécio Rocco Gruppi, graduado em Educação Física e doutor em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Os alunos acabam aderindo à ideia do jogo cooperativo, onde ninguém é excluído
fonte: educacaointegral.org.b

 É interessante avaliarmos a relação entre educação e esporte para termos noção de como podemos direcionar positivamente a atividade esportiva de nossos filhos, para que seja canalizada de forma a fazê-los crescer em virtudes tais como disciplina, autonomia, rijeza etc e para que compreendamos que  a prática de atividade física pode colaborar para aprimorar as mesmas qualidades em pessoas que já terminaram há muito tempo a formação escolar. Ainda que, com a maturidade, já tenhamos chegado no delineamento geral de nossa personalidade, sempre há tempo de aprender e evoluir, se estamos abertos a esse crescimento. Vamos tentar extrair desse artigo ensinamentos sobre esses aspectos.
   Os autores começam o artigo questionando o fato de nós, cidadãos que tivemos o privilégio de receber uma sólida educação formal, muitas vezes nos considerarmos o parâmetro para ser seguido por todos os que não tiveram a mesma oportunidade na vida. É como se olhássemos por cima dos ombros para aqueles que, vindo de outros meios culturais, estivessem por baixo. E para mostrar que isso muitas vezes é puramente um  preconceito, contam uma história que ocorreu nos Estados Unidos:
" Há muito tempo nos E.U.A., dois estados firmaram um acordo de paz com seis nações indígenas. Por consequência do gesto amistoso e para tirar proveito político do momento, governantes locais enviaram cartas aos índios pedindo que enviassem alguns dos seus jovens para estudar nas escolas dos brancos. Mas, os chefes recusaram a oferta justificando:  Nós estamos convencidos que os senhores desejam o bem para nós e agradecemos de todo o coração. Mas daqueles que são sábios, reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa ideia de educação não é a mesma que a nossa. Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando voltaram para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam a nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros. Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão, oferecemos aos nobres senhores que nos enviem alguns dos seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos, deles, homens."

Nas atividades lúdicas há espaço para todos e todos se divertem e fazem exercício
fonte: www.simmmei.com.br
Qual seria o real conceito de educação, fora desses parâmetros fechados dentro do conceito de educação formal ?
" A educação é muito mais do que instrução, do que treinamento ou a simples repetição. A Educação é eminentemente transformadora, deve se enraizar na cultura dos povos. A educação está em todos os lugares e no ensino de todos os saberes. Assim não existe modelo de educação, a escola não é o único lugar onde ela ocorre e nem muito menos o professor é seu único agente."

O desenvolvimento da tecnologia possibilitou um enorme avanço na comunicação; de que forma essa realidade interage com a educação ?
"Os avanços tecnológicos trouxeram muitas facilidades no campo das comunicações, com o seu mundo virtual porém, tornaram as relações superficiais e impulsionaram as pessoas para o consumo imediato. A educação é um processo longo e é necessário superar etapas, pois não acontece da noite para o dia, devendo ser combatido o imediatismo, se se pretende contribuir para a transformação da sociedade. Somente uma verdadeira consciência histórica, construída entre educadores e educando, determina uma educação transformadora e libertadora. E isso requer tempo."

Os jogos cooperativos integram a turma e estreitam as amizades
fonte: irishtimes.com
Quando a atividade esportiva passou a ser considerada Educação Física ? 
 "O termo “Educação Física” foi utilizado pela primeira vez na Inglaterra (1893) por John Locke e na França (1762), por J. Ballexserd, porém, tanto o esporte como a Educação Física não surgem de maneira direta e clara no contexto escolar. Assim, para entender o contexto histórico onde estes deram os seus primeiros passos, voltamos um pouco no tempo, mais precisamente no começo do século XVIII, quando na Europa a Revolução Industrial teve seu início. Este tempo, que vai até o século XIX influenciou profundamente o esporte como o conhecemos atualmente. É inegável que esse período determinou uma considerável alteração no estilo de vida das pessoas, principalmente dos trabalhadores, que impulsionados pelas transformações sociais decorrentes deste processo de industrialização e evolução tecnológica, obtiveram mais tempo para o seu lazer e consequentemente, abriu-se espaço para a popularização de algumas modalidades esportivas entre os operários e a população urbana. A partir do século XIX os esportes ganharam o mundo através dos exploradores ingleses e demais povos que participaram da expansão colonialista europeia."


Os jogos cooperativos contribuem para o estreitamento de amizade entre os alunos
fonte: teambath.com
Qual é hoje em dia a relação entre formação humana e Educação Física nas escolas brasileiras ?
"De certo ponto de vista, o que se encontra hoje nas escolas é um tipo de pedagogia da Educação Física de repetição de exercícios com o objetivo de ensinar um esporte, sem incorporar a experiência do aluno ao conteúdo e incentivar a sua participação. Nesse processo, uns são até excluídos por não ser tão hábeis, mesmo se tratando de crianças que ainda não possuem habilidades motoras já desenvolvidas, pois o único objetivo é a vitória. Dessa forma, não o capacita a resolver os problemas que se apresentam para torná-lo um sujeito autônomo e nem é garantia de adquirir hábitos saudáveis, pois a própria escola valoriza apenas os vencedores. A criança que aprende as habilidades específicas de determinada modalidade, possivelmente ficará competente nisso, mas não significa que no aspecto educacional, ela será capaz de atingir o desenvolvimento global do ser humano em todos os seus aspectos."

O esporte encarado dessa forma realmente educa?
"Muitos exemplos de atletas do mundo esportivo profissional demonstram que não. Não se livraram das drogas, não deixaram seus vícios, não lhes deu garantia de boa saúde e nem deixaram de se envolver com crimes e ainda fizeram uso de substâncias proibidas com o intuito de melhorar sua performance esportiva, atentando contra a honestidade na competição, inclusive com riscos para a própria saúde."
Elas correm juntas sem a preocupação extrema de saber quem é mais veloz
fonte: darlingtonfc.n
É possível detectar quais os aspectos que devem sofrer uma transformação tendo como objetivo implantar esse novo conceito da Educação Física ?
"O debate que ora se apresenta deve levar-nos a refletir sobre os efeitos e consequências formativas e educacionais do uso do esporte, também a discutir se é pertinente ou não ensinar técnicas esportivas nas aulas de Educação Física, mas, sobretudo, analisar e estabelecer se a finalidade dessa disciplina é descobrir bons atletas. Aos professores de Educação Física, enquanto educadores cabe a responsabilidade de refletir sobre a sua forma de atuar e se for o caso, dizer não para o encanto que o esporte exerce sobre todos nós, criando a grande ilusão do o que importa é vencer e a qualquer preço, pois uma exclusão ou uma substituição em um jogo pode ser facilmente esquecida pelo educador, mas não para aquele que foi preterido e até constrangido. Esta sensação de exclusão que a criança vive pode contribuir de forma decisiva para gerar problemas de auto-estima e relacionamento com o resto do grupo, podendo este futuramente, fazer parte das estatísticas dos adultos sedentários, comprovando que a instituição educacional e a nossa pedagogia fracassaram e continuarão a fracassar."


E qual deveria ser a tônica da Educação Física dentro da escola?
O autores do artigo procuraram explicar os projetos que desenvolveram com seus próprios alunos em que, ao invés de fomentar a competição, tentaram incentivar a cooperação entre os alunos, baseando-se na proposta de um cientista da área : "Os jogos cooperativos nasceram da necessidade que temos em viver juntos, pois desde cedo nos ensinaram que jogo é sinônimo de competição, e que competição é sinônimo de jogo. Hoje sabemos que isso é apenas um mito, pois um jogo, para ser interessante e desafiador, não precisa ser jogado como se estivéssemos numa guerra. Enfim, temos alternativas, e uma delas é o jogo cooperativo."A princípio, os professores, autores do artigo, encontraram resistência por parte da turma. Aos poucos, a turma foi compreendendo a proposta de integrar os alunos com capacitações diferentes; afinal, alguns já apresentavam uma aptidão física bem desenvolvida, enquanto outros, por diversos motivos, ainda se mostravam retraídos. O resultado foi muito positivo, como conta um dos professores: "houve casos de alunos que se destacaram durante essas aulas diferenciadas, ficando mais participativos e, sobretudo mudaram comportamentos. Como foi o caso de uma aluna com problemas de aprendizagem, também de relacionamento e notas em outras disciplinas. Seu comentário foi: que bom, me sinto mais livre. Na outra aula: vai ter mais professor?” Por essas e outras situações, pensamos valer a pena a iniciativa de buscar outras formas de vivenciar a Educação Física escolar." 

E, para concluir, quais os passos que devemos dar para tornar a atividade física uma especial aliada do processo educativo ?
"Para concluir, devemos considerar que nem sempre a prática de uma atividade física ou esportiva envolve efeitos positivos no processo de transmissão de valores. Sobre esta questão, é fundamental ter em conta o papel determinante do professor como responsável pela ação educativa e não somente como instrutor de técnicas e táticas, assim como também pelas atividades a serem utilizadas no processo de ensino/aprendizagem. Ainda podemos confiar na função educativa do esporte escolar, entendendo que esta atividade pode, entretanto, situar-se à margem da obsessão competitiva. A competição deve ser um meio e não o objetivo final."
A Educação Física também permite compreender o sentido do trabalho  em equipe de forma divertida
fonte: dailytelegraph.com
  Acredito que esse artigo pode nos ajudar a compreender que, como pais e educadores, deveríamos contribuir com o trabalho de implantação desse novo conceito pedagógico de enxergar a Educação Física. Podemos perceber que pode ser muito mais positivo cobrar empenho e não propriamente resultado em termos de vitórias em torneios esportivos em que as crianças e os adolescentes participam (aliás, esse conceito pode ser utilizado em outros assuntos, além da Educação Física). Para os que se dedicam com mais afinco a alguma modalidade esportiva, a tônica deveria ser a de procurar um bom desempenho sem perder o bom humor nas derrotas; afinal, o esporte faz parte do lazer, e perderia esse sentido se passasse a ser uma fonte constante de aborrecimento e tensão. Disputar um torneio, para um esportista amador, deveria ter esse mesmo conceito do jogo cooperativo, em que se joga mais para desenvolver novas amizades e um bom relacionamento com os demais. Visto dessa maneira, tudo passa a ser encarado como desafio, já não existe fracasso. O importante é participar.
Quem apreende o conceito do jogo cooperativo, tem mais facilidade para relacionar esporte ao lazer e não a uma estressante busca pela vitória
fonte: unlockfod.ca


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